O universo infantil não é uma miniatura ou uma caricatura do universo adulto. As crianças têm estruturas mentais características delas (e que são estruturas muito diferentes das do adulto), o que influencia na interpretação que ela faz de suas experiências com o mundo. É comum ela imitar o que assiste na televisão ou na praça ou na escola, tentando entender como o mundo funciona. É uma imitação, como um pastiche. Mesmo que ela utilize o vocabulário adequado para a situação, ela atribui às palavras significações diferentes daquelas dos adultos.
Muitas vezes nos surpreendemos quando nossas crianças, ao brincar de casinha, batem nas bonecas e, no entanto, elas nunca levaram uma palmada. É sua tentativa de interpretação do mundo, tentando entender o que ouvem, assistem, percebem, desejam.
Enquanto é a criança imitando e tentando entender o mundo, tudo bem, é sempre como se fosse um jogo, importante para o desenvolvimento. Mas, algumas vezes, os adultos fazem a transposição do universo adulto para o infantil, atribuindo “namorados” às crianças. Namoro, na interpretação adulta, é uma coisa muito diferente do que pode ser para uma criança. É um incentivo para o exercício precoce de uma forma determinada de exercer o afeto e a sexualidade.
Temos que cuidar para que as crianças possam imitar a seu jeito, sem modelo imposto, mesmo que involuntariamente. Às vezes, elas ficam chateadas de ter que responder se têm namorado na escola, pergunta bastante comum feita pelos adultos.
As crianças precisam usufruir de um ambiente em que possam exercer sua imaginação e interpretação do mundo. E fazer isso com amigos de sua idade é a melhor experiência. Crianças gostam de brincar e não de namorar. As eventuais preferências – que existem – fazem parte das inclinações dos seres humanos pela vida afora. Crianças têm amigos, não têm namorados.
Artigo de Patrícia Konder Lins e Silva, pedagoga e diretora da Escola Parque.